quarta-feira, 30 de outubro de 2013

LIDERANÇA


O artigo trata do tema que desenvolverei em workshop no próximo CBTD, Congresso Brasileiro de Treinamento e Desenvolvimento, em Santos - SP, nos dias 26 a 29/11/2013.
Informe-se em www.abtd.com.br


O LÍDER QUE FALA PARA OUVIDOS E CORAÇÕES
(por Kau Mascarenhas)

O papel do gestor situa-se numa das instâncias mais discutidas em se tratando de relacionamento interpessoal no âmbito das organizações e isso se dá sobretudo em virtude de seus processos de comunicação.

Interrogações valiosas emergem quando pensamos sobre a imagem que o líder cria de si mesmo e sobre os estados que evoca diante das suas equipes a partir da sua linguagem. 
Seria ele o grande responsável por contagiar os membros da equipe para que assim pudessem produzir mais e viver melhor no âmbito do trabalho? Poderia com seus próprios estados e humores, além da comunicação verbal, gerar situações que acabariam por se converter em sucesso ou fracasso na concretização das metas que estabeleceu para si e para a empresa com sua equipe? 
Palavras são elementos geradores de estados emocionais e promovem consequências na produtividade. Igualmente impulsionam ou minam os recursos para uma vida de qualidade no contexto profissional.
Além disso, a comunicação é percebida como algo mais que palavras e sua combinação com expressões faciais, posturas e gestos são poderosas ferramentas de expressão que também constroem a imagem do líder.

A linguagem do líder pode inspirar, motivar, aprovar, ensinar, acolher, estimular, administrar conflitos, esclarecer, comandar e delegar, que são verbos frequentemente associados a sua função quando pensamos na atualidade, sob o patrocínio de teorias repletas de adjetivações "energizantes" como as de liderança participativa, nutritiva, futurista, aprendiz, servidora ou co-criadora.

Entretanto, num viés antagônico, poderíamos imaginar outros verbetes relacionados ao papel do gestor seguindo uma espécie de contramão dessas ideias? 
Que tal trazermos à baila os termos demover, desmotivar, desaprovar, desensinar, afastar, desencorajar, gerar dúvidas, abster-se, destituir e impor? 
Seriam também valiosos, em alguns contextos, esses comportamentos que costumeiramente são relacionados ao que se chama, de forma reducionista, de liderança antiga? 
É interessante notar que, por mais estranho que pareça, eles podem fazer parte do papel do líder e promover importantes deliberações, levando um grupo a grandes resultados, a depender da situação.
Não se pode observar algo como essencialmente bom ou mau desprezando-se uma avaliação cuidadosa do contexto e das pessoas envolvidas. 
O líder é um compositor que sabe que terá que lidar com a sua falibilidade e com a imprevisibilidade dos fenômenos do mundo quando for escrever sua partitura ou reger sua orquestra.
A harmonia na sua comunicação levará em conta aspectos bastante variados, ritmos, pausamentos, tons, dos mais intensos aos mais suaves, e a obra bem realizada será a consequência das deliberaçòes que fizer, seja no momento de criar - individualmente - ou na execução da sinfonia - dependendo do coletivo. O resultado que obtiver refletirá sua maior ou menor sabedoria. 
A maioria das organizações se encontra sensibilizada por convicções tidas como vanguardistas, que podem em alguns casos apenas servir a um paradigma próximo do que se entende por autoajuda, no seu sentido mais negativo. Portanto, problematizar o conceito de comunicação eficaz do gestor pode ser uma atitude útil e valiosa apontando uma rota de fuga das gaiolas constituídas por automatismos de regras morais, julgamentos rígidos no estilo "certo-errado", que podem estabelecer listas pretensamente infalíveis como a dos "dez passos para uma liderança eficaz".
É fundamental questionar e adequar ideias para que elas se tornem encaixadas ao contexto em que está a equipe.

Taxar pensamentos e atitudes, na linguagem ou fora dela, como 100% positivos ou 100% negativos é postura que contraria a liberdade de escolha, privando o líder de atributos legitimamente humanos como sua subjetividade e sua singularidade. 
Haveria notas, tons e subtons que, de forma absoluta, precisariam ser jogados no lixo?

Cada equipe e cada empresa também tem características próprias que merecem ser percebidas com cuidado e respeito, sendo que aquilo que funciona para um líder na comunicação com sua equipe pode não dar certo em outra, e até mesmo prejudicar significativamente a relação com seu grupo.
Não faz muito tempo, tive informações sobre uma equipe na qual seu diretor resolveu implantar diversos procedimentos novos oriundos de uma metodologia que advogava uma visão "holística" do ser humano impactando decisivamente aspectos relacionados com a comunicação. Sua sensibilização e sua mudança foram legítimas, fortes, decorrentes das vivências de que participou e da exposição da sua mente a novos conceitos. Após ter estado num treinamento de uma semana em regime de imersão, que tratava de uma nova "filosofia" de liderança, o referido gestor retornou ao trabalho cheio de ideias e com grande motivação para implodir seu antigo sistema e inaugurar um novo método mais "humanizado" de liderar. Infelizmente, não houve uma preparação adequada do grupo para a recepção dessas novas ideias e o que se seguiu foi um conjunto de perdas significativas na sua autoridade diante do coletivo, embora tenha havido ganhos sob o ponto de vista da sua identidade e na sua individualidade, com a desintegração da postura anteriormente rígida que abraçava o lema "manda quem pode e obedece quem tem juízo". 
Pode ser assustador para um grupo perceber a polarização de posturas e comportamentos de seu líder que anteriormente assumia uma linha no melhor estilo Napoleão e que em seguida passou a abraçar o modelo Madre Tereza, negando o que poderia haver de positivo no primeiro e o que seria negativo no segundo. 

A PNL - Programação Neurolinguística e a Ontologia da Linguagem oferecem ferramentas conceituais e práticas em se tratando de comunicação no que tange ao papel do líder, tanto no que o caracteriza como regente dos processos como na sua posição de parte integrante, pedaço de um todo maior, humano irmanado como os demais humanos com os quais se relaciona na seara do trabalho.
A abordagem da PNL surgiu nos anos de 1970 nos Estados Unidos a partir do trabalho de dois pesquisadores (Richard Bandler e John Grinder) interessados na excelência em comunicação. Queriam descobrir as estruturas do expressar e do agir, bem como as das experiências de âmbito profundo como os estados emocionais, as crenças e os diálogos internos que produzem a vida, e que podem ser tidas como responsáveis pelo sucesso de uns e pelo fracasso de outros nas relações humanas. Inicialmente investigaram o trabalho de grandes terapeutas como Fritz Perls - criador da Gestalt Terapia, Virgínia Satir - expoente da terapia sistêmica, e Milton Erickson - pai da Hipnose Naturalista que também é conhecida como Hipnose Ericksoniana. 
A ideia dos criadores da PNL era observar o que havia nesses modelos de excelência que dava certo em sua comunicação seja nos conteúdos (o que se diz) ou na expressão não-verbal (o como se diz). Naqueles que foram suas referências e em cujos trabalhos se debruçaram, detectaram elementos e posturas comuns que classificaram como padrões de excelência.
O mais interessante era que, apesar de seus modelos de pesquisa serem terapeutas, seus padrões de excelência poderiam ser úteis a pessoas em vários campos de atuação diferentes, tais como liderança organizacional, vendas, educação e vida familiar.

Por exemplo, Milton Erickson tinha uma forma especialíssima de ver o seu cliente em terapia como um indivíduo, alguém para quem o processo terapêutico teria que ser criado de forma distinta. Cada um dos seus pacientes era um ser único e esse respeito à singularidade do ser fazia com que cada processo fosse absolutamente inédito. Também tinha como padrão o conceito de que era fundamental libertar o paciente o mais rápido que pudesse, ou seja, definia com ele algumas metas e sugeria tarefas na clara intenção de ajudá-lo a mudar automatismos. Usava uma comunicação rica em metáforas que se encaixavam nas experiências do indivíduo - se uma pessoa tivesse passado a vida no meio rural Erickson não utilizaria em sua linguagem com ela imagens mecanicistas com exemplos fabris, e sim analogias relacionadas a animais da fazenda e plantas. 
Seu processo procurava ao máximo fazer ponte com o mundo do outro e assim sua fala se traduzia naquilo que era mais comum à experiência do indivíduo com quem ele se comunicava. 
É possível transportar esse olhar respeitoso sobre o outro para o contexto das organizações, levando o líder a refletir sobre o quanto seus colaboradores são pessoas com mundo interno completamente distinto e sua maneira de relacionar-se com seu grupo pode ser profundamente beneficiada com essa visão particular sobre o indivíduo. Também seria interessante olhar o grupo como um verdadeiro indivíduo, um organismo, e não como a soma de partes isoladas. 

São inúmeras as contribuições dos modelos pesquisados por Bandler e Grinder, e por eles sistematizados no corpo da PNL, para o trabalho do líder que quer rever seu papel e se reinventar a partir de mudanças em suas convicções e em sua comunicação. 

A Ontologia da Linguagem, por sua vez, é uma abordagem que igualmente nos favorece com uma ampla gama de conceitos e ferramentas chamadas de "conversacionais", nos quais o líder pode se apoiar para melhor alavancar seu sucesso junto à equipe e assim ter condições de comunicar-se não apenas com atenção aos aspectos racionais e cognitivos das pessoas, mas também notando suas realidades emocionais, percebendo o ser humano como um todo integrado em que corpo-mente-emoção são partes de um mesmo sistema.
Rafael Echeverria, um dos seus criadores, apoiou-se em importantes trabalhos de filósofos que alicerçaram uma visão de Ser ("Onto" significa Ser) enfocando a linguagem como ponto disparador de conhecimento sobre si e sobre o outro, e disparador de mudanças profundas.
Dessa abordagem deriva uma notável linha do Coaching denominada Coaching Ontológico.

Algumas de suas ferramentas, por exemplo, são os modelos de pedido efetivo, pedido de desculpas efetivo e reclamação efetiva que organizam metodologias de comunicação para o que se deseja com o outro. Obviamente, não oferecem garantia de sucesso, mas apresentam estruturas linguísticas testadas que trazem maior probabilidade de resultados interessantes.
Abordagens que evidenciam a importância da linguagem no papel do líder são vistas mais que nunca como uma forma prática de nortear excelência nas relações interpessoais no âmbito do trabalho.
Ver o ser humano como alguém que fala e que pensa, e que nem sempre pensa o que fala e que nem sempre fala o que pensa, sobretudo porque sente, é abrir espaço a uma compreensão mais ampla. 

Paradoxalmente é entendendo a sua complexidade que se torna mais simples alcançar sucesso nas relações. 
Conhecer no outro e reconhecer em si mesmo as necessidades humanas que se expressam além das palavras, e responsabilizar-se pela própria maneira de ser e de se comunicar, pode criar um campo altamente favorável ao crescimento.
Numa sinfonia bem realizada percebe-se a beleza do todo e dos detalhes.
E é possível que um líder de sucesso, assim como um compositor para a execução da sua obra, não precise obrigatoriamente ter o mesmo jeito e a mesma forma de algum "mestre" que admira. 
Nenhum líder necessita se transformar num Steve Jobs, por exemplo, reproduzindo fielmente seu modelo de gestão ou clonando aspectos da sua comunicação, e assim tornando-se um arremedo, uma cópia mal feita, com improváveis chances de sucesso com seu grupo. Copiar a estrutura do outro exatamente como ele a aplicou num outro contexto pode não representar o legítimo princípio do benchmarking. Ao contrário, pode ser uma espécie de suicídio. 
Simplesmente adotar o pressuposto de que "se deu certo para ele dará certo para nós" é abrir espaço para um certa perda de credibilidade e de sintonia com os membros da equipe. A sinfonia criada por um gênio não é a melhor composição que atenderá a todas as situações e a todos os grupos. Isso depende da dança específica esperada no baile em questão, do número de músicos presentes na orquestra dentre outros fatores. 
Criar seu próprio estilo, tornando-se alguém que aprende com as referências, mas que cresce e muda a cada dia, pode fazer o gestor expandir, se quiser, os seus horizontes e criar com seu trabalho uma obra única. E escutando sua música saberemos com mais facilidade quem ele é.

A autenticidade é uma valiosa estrada em que transitam os líderes que reconhecem a própria responsabilidade na construção da sua imagem a partir do que expressam.

Sua comunicação promove mudanças e crescimento na equipe; e ao tempo em que se conecta aprende com as conexões.

São esses os gestores que vão além do papel e de fato cumprem sua missão, fazendo diferença, porque quando falam sensibilizam ouvidos mas tocam corações.



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Kau Mascarenhas é palestrante, consultor e coach, faz seminários, cursos 
e conferências em todo o país. Autor do livro "Mudando para Melhor". 
É sócio diretor do Pro-Ser Instituto. 
www.proserinstituto.com.br
adm@proserinstituto.com.br

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