METAMORFOSE E INDIFERENÇA
(texto e ilustração de Kau Mascarenhas)
Estão matando gente boa em assaltos como se matam insetos,
mesmo quando não há reação.
Antigamente recebia tiro quem corria ou lutava. Agora não.
O valor da vida é tão pequeno para os criminosos que alvejar
a cabeça de um ser humano é algo que parece ser divertido, de tão fácil e banal.
Os assaltantes tratam e matam pessoas como se fossem baratas.
E eles têm ótimos professores: os políticos.
Infelizmente, enquanto nos manifestarmos pedindo passe
livre, hospitais decentes, educação de primeiro mundo e melhor segurança em
nossas cidades, que são reivindicações legítimas, as coisas permanecerão como
estão.
Contudo, quando olharmos para o que está acontecendo e percebermos
que a vida desgraçada que levamos decorre da corrupção, essa chaga maldita que
atinge todos os escalões da política – todos mesmo – e assumirmos uma campanha
nacional que pressione os infames, que os ponha realmente na cadeia, para que sejam punidos pelos seus crimes
hediondos contra a população, eles terão medo.
Tendo medo, roubarão menos. Seria uma ilusão pueril dizer
que não roubarão... mas bastaria ver diminuída um pouquinho a corrupção e sobraria dinheiro
para tudo o que é importante nessa nação, dos salários dos professores, médicos
e policiais à infraestrutura, do transporte público ao aparelhamento dos hospitais,
da moradia digna às ações profiláticas relacionadas às secas e às enchentes.
Não é sensato reagir a um assalto. Mas podemos reagir dizendo não à
indiferença dos habitantes da nação distante chamada Brasília, cuja inação apequena nossas vidas.
Eles atiram nas cabeças de nossos filhos quando tomam 10, 15, ou 20% de todas as
obras que são realizadas no país. Eles cospem nos corpos de milhões de pessoas sem
casa, sem escola, sem remédios, quando enriquecem ilicitamente após poucos anos
de poder num cargo eletivo. Eles enterram nossos destinos quando vendem ideias
de salvação, apenas para perpetuar sua permanência inoperante no poder e nada fazem
daquilo que poderiam fazer.
E é importante que se diga: a responsabilidade também é nossa.
Manter-se como acéfalo político é conformar-se com esse descalabro.
Perder a capacidade de indignar-se é atirar fora um valiosíssimo combustível
de mudança.
"Deixar pra lá" é sustentar a forma de existir que nos querem
impor para a manutenção do poder pelo poder e não para benefício dos
brasileiros.
Depende de nós dizermos que não somos baratas, que não
devemos morrer como baratas, e muito menos viver como baratas.
Cabe aqui, então, fazer um pedido aos criminosos.
Não aos da rua - pois
esses eu não conheço - mas aos dirigentes desse país que porventura tenham os pés no lodaçal da corrupção:
Parem de roubar, senhores políticos.
Esse tipo de coisa nos mata como se fôssemos insetos.
E nós não somos insetos.
Somos gente.
(Em homenagem à jornalista Selma Barbosa Alves, funcionária
da Universidade Federal da Bahia, que morreu a 400 metros do meu apartamento
num assalto no dia 12/08, alvejada na cabeça sem ter esboçado qualquer reação)
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