quinta-feira, 11 de julho de 2013

111 - O QUÊ RESPONDER?




As questões perturbadoras dos filhos do Brasil
(Texto e ilustração de Kau Mascarenhas)


Crianças desconcertam seus pais com perguntas impertinentes desde que o mundo é mundo, mas no caso das brasileiras a situação é ainda mais drástica.
Como explicar para um filho pequeno a realidade que vivemos em nosso país?
Há temas e palavras que orbitam nas cabecinhas dos nossos pimpolhos e que são duros de explicar tais como improbidade, impunidade, fisiologismo político, PEC 37, manifestações, vandalismo, corrupção ativa e passiva, e mais recentemente, plebiscito.
“-Papai, mamãe, o que é esse negócio de plebiscito?”
Não tenho filhos, mas se os tivesse essa seria uma pergunta difícil de responder.
Talvez, levando em conta o que vivemos, esse deveria ser visto como um questionamento mais sério do que “- Qual a idade em que posso transar?”
Trata-se de uma questão legítima, e tão na mídia, que será impossível dela escapulir quando surgir na boca de nossas crianças.
Para falar sobre esse assunto, os pais em nosso Brasil teriam que enveredar pelo caminho da discussão ética e procurar explicar o inexplicável, abordando as incongruências do que significa ser povo neste país.
Logicamente eu não perderia a chance de tratar desse tema evocando pérolas da Sétima Arte, citando filmes nos quais filhos perguntam coisas a seus pais.
E como percebo traços notadamente nazistas naqueles que hoje habitam um estranho planeta chamado Brasília, em seus palácios e no Congresso, desengavetaria dois filmes que tratam da Segunda Grande Guerra.  
Sim. Percebo neles traços nazistas.
Há algo de comum entre um político que rouba e se corrompe confiando na impunidade vigente e um oficial da Gestapo ou da SS de Hitler. Ambos acreditam que aquilo que fazem não é crime, não é nada de mais. Ambos acreditam que se todos fazem eles podem fazer também. A ambos não importa a dor do outro.
O garoto Bruno, na película inglesa intitulada “O Menino do Pijama Listado” questiona sua família acerca das pessoas com roupas engraçadas que vivem por detrás das cercas de arame farpado na “fazenda” próxima à casa da família. As respostas são evasivas a princípio. Os adultos não têm como explicar satisfatoriamente à criança o absurdo que é um campo de concentração, mesmo porque o observam como algo justo, legalizado, a partir dos seus filtros distorcidos de percepção.
Eu mostraria o filme, e sobre o tal do plebiscito, diria “– filho, quando se trata de poder, nós vemos pessoas liderando países pensando em ter o domínio completo da situação e querendo mantê-lo a qualquer custo. E mesmo numa democracia como a nossa, que é algo muito diferente da ditadura ocorrida na Alemanha daquele período, há formas de não se escutar o que de verdade as pessoas precisam. Aliás, o engano pode ser tão bem feito que até uma eleição – elemento chave, base de uma democracia - pode fazer surgir o terror e a iniquidade. Hitler subiu ao poder democraticamente através de votos majoritários da população alemã.” 
Fico, entretanto, imaginando como seria a resposta à pergunta sobre o plebiscito caso fosse feita por uma criança a seu familiar – pai, mãe, avô, avó - que porventura ocupasse um cargo eletivo de senador, deputado, ministro ou algo do gênero. Provavelmente seria: “um instrumento que consolida e reafirma nossa democracia, meu querido, uma resposta à grita dos manifestantes que vimos nas ruas”.
Assim como o garoto alemão personagem do filme citado, filhos de políticos não têm como entender algumas coisas, sobretudo o porquê das cercas que as separam das pessoas estranhas que são chamadas de povo brasileiro, e que não têm moradia, roupas, escolas, ou hospitais semelhantes aos delas.
Não é possível para esses pais ou avós esclarecerem que um plebiscito como esse não está a serviço daquilo que interessaria à população.
Arnaldo Jabor em brilhante artigo publicado no Estadão dessa terça-feira, 09 de julho, e que me inspirou escrever este texto, nos aponta algumas questões valiosas e que nunca seriam abertas ao povo através de um plebiscito, pelo simples fato de que o Governo já sabe a resposta. E eles, os que estão do lado gostosinho da cerca, morrem de medo da mudança que isso representaria.
Que tal, diz Jabor, nesse artigo que narra seu diálogo com o filho adolescente, fazermos um plebiscito sobre:  “você é contra ou a favor de haver 28 mil cargos de confiança no governo, se a Inglaterra tem apenas 800 e os Estados Unidos, 2 mil?” ou “você acha normal que o Brasil cobre R$ 36,00 de impostos sobre cada R$ 100,00 produzidos?” ou ainda “o Brasil tem mais de 5.700 municípios, com prefeitos, vice-prefeitos, 513 deputados federais, 39 ministérios; não daria pra cortar tudo pela metade?”
Não, não. Um político não poderia ser sincero com sua criança.
Será que um deputado diria ao seu filhote que esse plebiscito é um estratégico “cala-boca”, que se disfarça de reação ao clamor das ruas? Um senador diria ao seu rebento que se trata de uma grande nuvem de fumaça com o intuito de apequenar a força das manifestações de uma multidão de inconformados?   
Eles não poderiam responder a pergunta da forma mais honesta, porque também estão certos de que os seus pequenos nunca passarão para o outro lado da cerca, nunca serão povo.
E como disse o oficial nazista, pai de Bruno, exemplo de devotamento e dedicação para com sua família, em frente à qual ocorre o espancamento de um judeu: “eles não são pessoas de verdade.”
É bem provável que isso seja ensinado nas entrelinhas, ou de forma bem explícita, no seio das famílias de um deputado, de um ministro ou de um senador. Que mal há em roubar e aceitar propina, em se locupletar com o erário, em voar em jatos da FAB, em ter mordomias e regalias, se aqueles dos quais se arrancam os recursos, e dos quais brotam todas essas facilidades “não são pessoas de verdade”?
Nós, os brasileiros, não usamos os pijamas listados mas somos prisioneiros igualmente, encarcerados numa realidade que nos deixa atônitos e até apáticos. A frequência das torturas que nos impõem pretende exatamente isso: fazer com que comecemos a facilmente tolerá-las e não mais percebê-las. A ideia é queratinizar nossa sensibilidade, calejar nossa percepção de justiça, para assim se tornar reduzido o nosso poder de indignação.
Acostumamo-nos com tudo. Até com uma vida sofrida, na qual tudo falta. Até com o fato de trabalharmos cinco meses do ano para tentar aplacar, pagando impostos inúmeros e inexplicáveis,  a fome de dinheiro desses que deveriam defender nossos interesses e fazer nossas vidas serem mais felizes. Exatamente esses que receberam de nós o voto que os colocaram onde estão.
E assim nos acostumamos até a sobreviver pensando que vivemos.
“A Vida é Bela” é o outro filme que me ocorreu trazendo situações em que perguntas incômodas saíram da boca de uma criança e foram lançadas aos seus pais na Segunda Guerra.
Falaria sobre o tema e assistiríamos também a esse filme lado a lado.
Conversaria com minha criança sobre o quanto, às vezes por amor, escondemos ou mudamos o ângulo de observação das coisas.
Nessa película, para preservar seu filho Giosué da percepção crua da realidade em que viviam num campo de concentração, Guido, o pai – interpretado magistralmente por Roberto Begnini – resolve fazer com que cada situação, por mais dura que se mostrasse, fosse ressignificada e percebida como lances de um jogo diferente, de uma grande brincadeira.
A cada pergunta da criança, fosse ela verbalizada ou somente pensada, diante das agruras vividas por ambos, Guido respondia que se tratavam de fases do jogo, que estavam indo muito bem e que, passando por mais algumas delas já poderiam sair vitoriosos.
Observando o contexto e a estratégia usada para se enxergar de uma forma mais positiva uma realidade sombria, é inevitável lembrar do “jogo do contente” criado pelo pai de Pollyanna, personagem da escritora estadunidense Eleanor Porter,  que antes de falecer ensinou à filha a observação do lado bom das coisas entristecedoras. E quanto mais difícil fosse a adversidade, maior o mérito do jogador por conseguir enxergar o lado positivo da mesma.
Infelizmente, não sou como o Guido, nem como o pai da Pollyanna. Reconheço a total incompetência que me impediria de emitir uma resposta estratégica, para preservar meu hipotético filho da percepção de uma triste realidade: viver no Brasil significa gritar, e gritar muito, para não ser ouvido.
Nem ao menos poderia fugir dizendo “- deixa pra lá essa história, menino, que isso é coisa de adulto.”
Falar do proposto plebiscito com meu filho seria falar do quanto somos vilipendiados, enganados e desconsiderados. Do quanto fingem nos dar importância quando é notório que se lixam para o que pensamos e passamos.
Sei que isso poderia doer na criança, poderia fazer com que desanimasse, com que nem quisesse mais estudar, por exemplo, já que estamos num país onde trabalhamos tanto para ter tão pouco.
Eu não colocaria maquiagem em minha resposta e, por amor, faria exatamente o contrário; exporia a realidade da forma mais aberta possível.
Sendo brasileiro, caberia o aproveitamento do contexto para dizer um pouco sobre o que é viver eticamente – e viver eticamente é conviver.
Poderia falar sobre o quanto vale fazer a nossa parte e confiar. E quem sabe até dizer que aqueles lá são o grande anti-exemplo de como seres humanos podem estar em sociedade, sobretudo na gestão da coisa pública.
Não escondendo o que representa a vida que vivemos quem sabe estejamos lançando sementes no mundo sob a forma de crianças que consigam, quando adultas, deliberar na observância do bem coletivo.
Quem sabe meu hipotético filho, mais consciente e com valores bem construídos, no futuro pudesse ocupar um cargo eletivo levando outra postura para a política, empunhando bandeiras com valores como honestidade e respeito humano, estranhos aos habitantes atuais do Planalto.
Diria: “- Gostaria de lhe responder, meu pequeno, que um plebiscito é uma forma sincera no Brasil, de ouvir o que de fato o povo pensa e construir um país diferente, no qual se pode viver melhor. Mas o que temos é outra coisa. Nosso governo quer se manter fingindo que ignora o que realmente pensamos. Assim se estabelece a desigualdade, e se impõem a carência e a indigência, exclusivamente para nós que estamos aqui, do lado feio da cerca.
Seria ótimo se esse plebiscito servisse para mudar alguma coisa. Mas do jeito que foi concebido só serve para nos encher ainda mais de raiva, e de maior indignação.”
Ontem num shopping encontrei um casal que admiro muito, exemplos de pais amorosos, cidadãos respeitáveis e dignos, e fiquei triste por saber que eles pretendem ir embora do Brasil. Querem morar na Europa para oferecer aos filhos adolescentes uma vida mais digna, sem tanta violência e os absurdos que são vistos por aqui. Querem ser ouvidos.
Lamento pela situação, mas os compreendo. Esta é a única forma que acharam para demitir nossos políticos, todos de uma só vez.
Eu verdadeiramente os compreendo.
Bem... eu e meu filho, diante da impossibilidade de fugir de nosso país e observando tudo isso procuraríamos filosofar.
Sei que teríamos uma conversa aporética, ou seja, aquela que não chega a uma conclusão, a um resultado.
Seria bem provável que, depois de vermos os dois filmes citados, chorarmos juntos e conversarmos sobre ética na política, ele passasse a se interessar mais por esses assuntos e começasse a se tornar um adulto brasileiro mais presente e atuante, cônscio de sua responsabilidade de cidadão.
De mãos dadas com ele em frente à TV perceberia seus olhinhos brilhantes se voltando pra mim e me indagando, a princípio em silêncio.
E eu, olhando pra ele, me mostraria plenamente aberto ao que ele quisesse perguntar. Ouvir o outro é também plantar uma semente de respeito em seu coração.
Então, o meu brasileirinho ali no sofá, naquele momento, me faria outra pergunta igualmente perturbadora e praticamente impossível de ser respondida:
“- Papai, me diz, o que foi que eu fiz para merecer nascer aqui?”



Mude sua Vida. Conheça PNL

Nenhum comentário: